TRÊS ARMAS DISPARARAM…
Autor: Sete de
Espadas
Dois vultos recostavam-se no
alpendre da característica «TAVERNA NEGRA», agora fortemente iluminado. Ela,
esplêndida de beleza e juventude, cabelos louros soltos ao vento, sorria maliciosamente.
Ele, de porte correcto, olhava-a num misto de carinho e admiração.
Diziam as más línguas, que
Divonne, a linda esposa do Embaixador da Sinésia, mantinha um romance de amor
com o jovem escritor Phillip Carr – cujos romances eram disputados por
multidões.
Para lá do alpendre, na fita
negra da estrada, fortemente batida pelo vento e pelos aguaceiros daquela
extemporânea trovoada dos fins de Agosto, esperava-os o potente e bem delineado
«torpedo» do escritor.
Minutos antes, lançado como um
bólide pela estrada que sai de Bordeaux e passa junto à «TAVERNA
NEGRA», indiferente à intempérie, seguia um potente carro negro e nele, de
sobrecenho carregado, maxilas cerradas e mãos enclavinhadas no volante, o
conhecido e distinto capitão-tenente Gilbert Rouhen, a quem o país devia o
estranho invento do «submarino aquático-terrestre…». E Gilbert, pensava naquele
estranho telefonema… E diziam também as más línguas, que Gilbert, odiava, com
um ódio de morte, o romancista Phillip Carr… As altas esferas, por sua vez,
temiam o evidente contacto que existia entre Rouhen e essa sereia estonteante e
perturbadora, que era a esposa do Embaixador estrangeiro…
Quando a noite já há muito tinha
caído e com ela a enervante tempestade de Verão, um carro escuro seguia a pouca
velocidade, pelo desvio da estrada que a poucas centenas de metros cruza com a
estrada de Bordeaux, para além da «TAVERNA NEGRA»… Ao volante desse carro,
preocupado com estranhos pensamentos, o Embaixador de uma potência estrangeira
– que é, às vezes, um espião autorizado…
A poucos quilómetros da «TAVERNA
NEGRA» e a caminho de Bordeaux, numa curva caprichosa da estrada, Phillip nota
com assombro que à sua frente está parado um carro, ligeiramente atravessado na
estrada, a meio da curva, e com os farolins apagados. Solícito, Phillip pára o
seu carro, sai e avança pela estrada para prestar auxílio…
De repente, numa sucessão
estranha e terrível, os relâmpagos aliam-se a fortes trovões; os raios descem
para a terra em zigue-zagues estonteantes, como se tudo aquilo estivesse
possuído de terrível magia e fosse uma horripilante visão do inferno…
Depois silêncio… um silêncio que
fazia calafrios, no intervalo duma tempestade de verão – presságio de morte,
cortado violentamente pelo escape aberto dum carro que se afasta a toda a
velocidade, a caminho de Bordeaux, farolins
apagados…
Na fita negra da estrada – agora
iluminada pelos faróis de dois carros… - estendido de bruços, o corpo do
romancista Phillip Carr…
À volta deste complicado caso,
todos os «repórteres do crime» especularam aos seus jornais, com títulos a toda
a largura das páginas.
Um dizia: «Uma bala perdida no
interior dum carro?», referindo-se ao carro de Phillip, que no lado direito do
pára-brisas tinha um furo de bala, a 38cm da porta, cujo vidro estava descido.
Por mais que se procurasse no interior do carro, não foram encontrados
vestígios de penetração ou impacto.
Um outro, em três edições
sucessivas, dizia: «Três armas, cujas linhas de fogo interceptavam o mesmo
alvo…»; «Fogo cruzado… numa curva!»; «Três conhecidas personagens, fazem fogo
«sincronizado» com a tempestade…!» Transcrevia as declarações de todos eles,
onde cada um afirmava que disparara a sua arma, nada mais acrescentando quanto
à direcção do tiro.
Um terceiro, talvez humorista,
dizia: «Um carro com dois orifícios feitos por balas… mas só uma aparece». Este
repórter, seguindo a pista do carro fugitivo, veio a fornecer valiosos
elementos para o processo, porquanto, foi ele que descobriu o carro de Rouhen e
verificou um furo de bala no vidro da porta do lado esquerdo, junto ao volante
e no banco de trás, a penetração de uma bala, junto ao suporte do braço do lado
esquerdo, a qual se foi alojar do lado oposto, junto à extremidade do outro
suporte.
O quarto, fazia a seguinte pergunta:
«De onde partiu o tiro que vitimou Phillip Carr?» Depois espraiava-se em
comentários acompanhados por um grande «croquis» de curva, com três carros, o
corpo do romancista e as possíveis trajectórias das balas – uma das quais
também tinha atravessado o pára-brisas do carro do Embaixador – assegurando com
toda a convicção que sabia, como e para quem tinham atirado cada um dos
suspeitos – deixando antever nas entrelinhas, a posição da arma
assassina.
Do relatório de um perito,
constava o seguinte:
- A vítima foi atingida por duas
balas, uma das quais provocou morte imediata, atravessando-lhe o cérebro e a
outra raspou transversalmente o braço esquerdo, passando entre este e o corpo a
5cm acima do cotovelo, fazendo dois furos no casaco e um esgaçamento no tecido
da camisa.
Por mim, resta-me dizer-lhes
meus caros Colegas, que o nosso conhecido «detective particular» Alexis Smith,
de passagem por França, escrevia numa das suas cartas: - «Com os dados que te
envio – eu juro que os transcrevi todos – poderás fazer uma solução
absolutamente correcta e responderes com segurança às seguintes perguntas» -
que eu também transcrevo na íntegra:
1.ª – RECONSTITUE A CENA DO
CRIME.
2.ª – INDICA-ME A TRAJECTÓRIA
DAS BALAS E QUAL O OBJECTIVO DE CADA UM DOS QUE DISPAROU.
3.ª – FINALMENTE, INDICA-ME O CRIMINOSO.
(Solução na próxima
semana)
1948 - SETE DE ESPADAS NA
REVISTA “ALTURA”
“Da autoria do
concorrente SETE DE ESPADAS, publicamos a seguir o 3.º Problema deste Concurso.
Dada a complexidade dos “pontos de vista” dos nossos prezados detectives
concorrentes, dada a “pormenorização” de detalhes que muitas soluções
apresentam, algumas das quais, diga-se com justiça, merecem atenção especial
pela maneira como são expostas, vemo-nos forçados a modificar um pouco o
critério de classificação – para não cometer injustiças, dando o mesmo valor a
uma dedução excepcional que se dá a uma solução correcta, ou não dando nenhum a
uma solução incompleta, mas inteligente na parte resolvida. Assim, achamos
melhor passar a guiar-nos por um critério mais livre, que, embora partindo do
valor 1 ponto para a solução correcta, seja suficientemente “elástica” para dar
½ ponto aos que satisfaçam em parte e 1 ½
até 2 aos que ultrapassem a craveira média.”
A explicação para esta mudança
vem depois, num quadro dos concorrentes classificados na solução de outro
problema, em que aparecem com 2 pontos, por conseguinte com uma solução
excepcional, apenas cinco detectives: SETE DE ESPADAS – Agualva; Raon – Seia;
K120 – Oliveira do Douro; Francisco Elvas Duarte – Lisboa e Repórter Mistério –
Évora.
Para além de produtor de
problemas policiais de mérito reconhecido, como fica bem vincado no problema de
sua autoria que hoje publicamos e que saíu neste número da ALTURA, o SETE DE
ESPADAS era, já nesse tempo, um magnífico decifrador.
Sem comentários:
Enviar um comentário