SETE
DE ESPADAS SECCIONISTA DESDE 1947
Em 1947 o Sete de Espadas
iniciou uma longa carreira de seccionista policiário, verdadeiramente a sua
melhor faceta, apesar de ser um excelente produtor, como vimos na semana
passada e um bom solucionista.
Foi no Jornal de Sintra
de 12 de Janeiro, chamava-se “Mistério e Aventura” e assumia-se como “secção
policial orientada por Sete de Espadas”.
O seu primeiro texto, de apresentação, dizia
claramente ao que vinha:
“Leitores e caros
colegas:
O nosso meio é
pequeno e refractário a empreendimentos desta natureza. Estou certo que não
faltará quem se erga da sua cátedra para nos atirar com a já tão conhecida e
velha frase: Literatura de cordel…
Estes catedráticos
esquecem-se, todavia, que a literatura de emoção e resolução de problemas
policiais são dois dos grandes recreios do espírito. Estadistas de todo o
Mundo, afadigados pelo vertiginoso atropelo dos acontecimentos internacionais,
buscam um pouco de tranquilidade no exercício cerebral que lhes oferece a
leitura dos grandes romances policiais e a resolução dos grandes problemas.
Médicos, advogados, engenheiros, senhoras da melhor sociedade, estudantes,
cientistas e muitas outras personagens de categoria social, não se envergonham
de confessar a sua simpatia e o seu entusiasmo pela boa literatura de mistério
e aventura.
Quando fui ate ao
nosso director para lhe levar a ideia desta secção, confesso que fui a medo,
mas encontrei nele um Amigo, que desde logo aceitou e acarinhou esta resolução,
dizendo-nos:
— De vez enquanto,
sair fora do sistema rotineiro, também sabe bem…
O facto de nos
apresentarem como orientadores desta secção não significa um maior merecimento,
simplesmente — era preciso alguém fazê-lo!...
Confiamos, pois, na
benevolência dos nossos leitores e na amizade dos meus camaradas.
Tentaremos agradar e
cá os esperamos neste cantinho — que é de todos.
Sete de Espadas”
Mas antes, em 1946, uma
publicação brasileira, “Policial em Revista”, trazia à estampa um trabalho de
um leitor português, assim apresentado pelo redactor:
“Veio-nos de Portugal, há algum tempo, uma colaboração de Manuel José Lattas, residente em Agualva-Cacém. Se tem boa memória devem lembrar daquele bem feito trabalho intitulado “Chesterton ou Wallace?”, que deu início em nossas colunas a uma polémica do nosso colaborador A.B.. Hoje inserimos novo trabalho do Amigo Português.”
VANTAGENS DA LITERATURA DE FICÇÃO
Manuel José Lattas
Procurando bons autores, cujas traduções são bem cuidadas, eu posso encontrar
entre as suas personagens todos tipos do dia a dia da vida, verdadeiramente
retratados, absolutamente reais e ligados por aquele fio que assenta em bases
de pura dedução lógica e me encaminham para a resolução final de um problema
que me atai e seduz.
Lendo-os eu encarno um a um, todas as suas personagens e posso sentir amor,
paixão, desilusão ódio, ciúme cinismo abnegação, justiça e toda a gama de
sentimentos que nós mortais temos cá dentro, calcados bem no fundo do nosso
íntimo, mais ou menos em estado latente.
Além do magnífico e salutar exercício cerebral, eu vou encontrar sempre nas
páginas da literatura policial, uma figura que me domina e que me prende, quer
esteja incarnada num inspector de polícia, num advogado ou num detective particular,
mas que é, acima de tudo, um magnífico paladino da justiça e da moral,
cumpridor da lei, que a lei é muitas vezes sofisma e um lutador enérgico contra
o Universo cheio de mentiras idealista e onde o mal impera.
Confesso que leio livros policiais e isso não me assusta nem me diminui. A
crescente expansão do romance policial trouxe as suas obrigações e deveres; um
vastíssimo público, composto de homens das leis e de ciência, de médicos, de
engenheiros e de toda a espécie de especialistas não podia deixar de ser
observante e exigente; e para satisfazer este Argos de olhos inexoráveis
tornou-se necessário um extremo cuidado na construção e apresentação da
história. Um erro ou deslize podia deitar abaixo ou invalidar a solução. Cada
nova conquista da ciência criou responsabilidades novas. A história policial
manobra hoje todos os lados da ciência, da arte e da lei.
E por tudo isto e pelo muito que fica por dizer, eu não tenho medo de me
confessar um defensor da literatura policial, que já não faz encolher
desdenhosamente os ombros senão a uma meia dúzia de senhores muito sérios
e superiores a estas coisas, tudo o que seja realmente vivo e do
nosso tempo.
Entre os mestres do género, sem margem para discussão, está colocada a criadora
da figura extraordinária do detective amador Sir Edward
Palliser morador no nº 9 de Queen Anne’s Close, um beco sem saída — Agatha
Christie!
Prefiro, porém, Oppenheim!
Mais romancista! Os seus livros são sempre histórias bem delineadas e bem
dosadas. Ele não tem necessidade de forçar; não procura as histórias de
rabo torcido e também não tem necessidade de puxar muitos cordelinhos
para a movimentação das suas personagens. Ali tudo é natural e lógico. Nada de
aventuras rocambolescas, nem plataformas especiais.
Simples! Humano! Leal!
LÚCIFER INTERVEIO NA HISTÓRIA
Como prometido na passada semana, aqui fica a
solução dada pelo Sete de Espadas ao seu problema, com que se sagrou campeão
nacional, em 1958:
a) O assassino foi Flamínio.
b) Lerroux não podia ser: tão nervoso e desajeitado nos gestos (tombara uma
jarra ao narrar o seu caso passional) não podia ter praticado um crime que não
deixou rasto.
c) Bernard também não: a ponta do charuto, fora trincada, e o capitalista
havia 4 dias que extraíra os dentes incisivos. Ilibado.
Logo, foi Flamínio. Como?... O «Mefistófoles» ao zangar-se com Bernard e,
dois dias após, com o banqueiro, quis, de um tiro, matar dois coelhos. De
índole cruel, inteligente e terrivelmente plácido, recorrendo às suas habilidades
de faquir, fácil lhe foi furtar um dos famosos charutos do capitalista; depois
mercê dum plano lucidamente elaborado, assassinou rancorosamente o banqueiro,
não deixando o mínimo vestígio – a não ser o “Donnia”, que, mais tarde ou mais
cedo, após laboriosas pesquisas, havia de meter o Bernard numa prisão. Tudo
parecia infalível.
Desgraçadamente, o «italiano» ignorava – a sua inteligência não podia
adverti-lo disso… – o percalço dentário que 4 dias antes sucedera ao
capitalista.
Lúcifer interviera na história…
Estas são as provas essenciais. Mas há pormenores secundários facilmente
perceptíveis. Por exemplo Lerroux havia 2 anos que não entrava em casa de
Bernard; Flamínio apenas 8 dias – por conseguinte, só este tinha possibilidade
de furtar o famoso «Donnia». Lerroux era o que mais odiava o banqueiro e perdia
a serenidade ao vê-lo; e o seu rancor a Bernard, datando de 2 anos, era
labareda infernal!
Ora, um homem assim violento, que em tão longo espaço de tempo não buscou
oportunidade para revindicta – é porque não tem feitio para assassino…
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