quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

POLICIÁRIO DE 14 DE JANEIRO

 


SETE DE ESPADAS SECCIONISTA DESDE 1947

 


Em 1947 o Sete de Espadas iniciou uma longa carreira de seccionista policiário, verdadeiramente a sua melhor faceta, apesar de ser um excelente produtor, como vimos na semana passada e um bom solucionista.

Foi no Jornal de Sintra de 12 de Janeiro, chamava-se “Mistério e Aventura” e assumia-se como “secção policial orientada por Sete de Espadas”.

 O seu primeiro texto, de apresentação, dizia claramente ao que vinha:

“Leitores e caros colegas:

O nosso meio é pequeno e refractário a empreendimentos desta natureza. Estou certo que não faltará quem se erga da sua cátedra para nos atirar com a já tão conhecida e velha frase: Literatura de cordel…

Estes catedráticos esquecem-se, todavia, que a literatura de emoção e resolução de problemas policiais são dois dos grandes recreios do espírito. Estadistas de todo o Mundo, afadigados pelo vertiginoso atropelo dos acontecimentos internacionais, buscam um pouco de tranquilidade no exercício cerebral que lhes oferece a leitura dos grandes romances policiais e a resolução dos grandes problemas. Médicos, advogados, engenheiros, senhoras da melhor sociedade, estudantes, cientistas e muitas outras personagens de categoria social, não se envergonham de confessar a sua simpatia e o seu entusiasmo pela boa literatura de mistério e aventura.

Quando fui ate ao nosso director para lhe levar a ideia desta secção, confesso que fui a medo, mas encontrei nele um Amigo, que desde logo aceitou e acarinhou esta resolução, dizendo-nos:

— De vez enquanto, sair fora do sistema rotineiro, também sabe bem…

O facto de nos apresentarem como orientadores desta secção não significa um maior merecimento, simplesmente — era preciso alguém fazê-lo!...

Confiamos, pois, na benevolência dos nossos leitores e na amizade dos meus camaradas.

Tentaremos agradar e cá os esperamos neste cantinho — que é de todos.

Sete de Espadas”

 

Mas antes, em 1946, uma publicação brasileira, “Policial em Revista”, trazia à estampa um trabalho de um leitor português, assim apresentado pelo redactor:

 

 



“Veio-nos de Portugal, há algum tempo, uma colaboração de Manuel José Lattas, residente em Agualva-Cacém. Se tem boa memória devem lembrar daquele bem feito trabalho intitulado “Chesterton ou Wallace?”, que deu início em nossas colunas a uma polémica do nosso colaborador A.B.. Hoje inserimos novo trabalho do Amigo Português.”

 


VANTAGENS DA LITERATURA DE FICÇÃO


 Manuel José Lattas


Procurando bons autores, cujas traduções são bem cuidadas, eu posso encontrar entre as suas personagens todos tipos do dia a dia da vida, verdadeiramente retratados, absolutamente reais e ligados por aquele fio que assenta em bases de pura dedução lógica e me encaminham para a resolução final de um problema que me atai e seduz.


Lendo-os eu encarno um a um, todas as suas personagens e posso sentir amor, paixão, desilusão ódio, ciúme cinismo abnegação, justiça e toda a gama de sentimentos que nós mortais temos cá dentro, calcados bem no fundo do nosso íntimo, mais ou menos em estado latente.


Além do magnífico e salutar exercício cerebral, eu vou encontrar sempre nas páginas da literatura policial, uma figura que me domina e que me prende, quer esteja incarnada num inspector de polícia, num advogado ou num detective particular, mas que é, acima de tudo, um magnífico paladino da justiça e da moral, cumpridor da lei, que a lei é muitas vezes sofisma e um lutador enérgico contra o Universo cheio de mentiras idealista e onde o mal impera.
Confesso que leio livros policiais e isso não me assusta nem me diminui. A crescente expansão do romance policial trouxe as suas obrigações e deveres; um vastíssimo público, composto de homens das leis e de ciência, de médicos, de engenheiros e de toda a espécie de especialistas não podia deixar de ser observante e exigente; e para satisfazer este Argos de olhos inexoráveis tornou-se necessário um extremo cuidado na construção e apresentação da história. Um erro ou deslize podia deitar abaixo ou invalidar a solução. Cada nova conquista da ciência criou responsabilidades novas. A história policial manobra hoje todos os lados da ciência, da arte e da lei.
E por tudo isto e pelo muito que fica por dizer, eu não tenho medo de me confessar um defensor da literatura policial, que já não faz encolher desdenhosamente os ombros senão a uma meia dúzia de senhores muito sérios e superiores a estas coisas, tudo o que seja realmente vivo e do nosso tempo.


Entre os mestres do género, sem margem para discussão, está colocada a criadora da figura extraordinária do detective amador Sir Edward Palliser morador no nº 9 de Queen Anne’s Close, um beco sem saída — Agatha Christie!


Prefiro, porém, Oppenheim!


Mais romancista! Os seus livros são sempre histórias bem delineadas e bem dosadas. Ele não tem necessidade de forçar; não procura as histórias de rabo torcido e também não tem necessidade de puxar muitos cordelinhos para a movimentação das suas personagens. Ali tudo é natural e lógico. Nada de aventuras rocambolescas, nem plataformas especiais.


Simples! Humano! Leal!

 

 

LÚCIFER INTERVEIO NA HISTÓRIA

 

 Como prometido na passada semana, aqui fica a solução dada pelo Sete de Espadas ao seu problema, com que se sagrou campeão nacional, em 1958:

 

a) O assassino foi Flamínio.

b) Lerroux não podia ser: tão nervoso e desajeitado nos gestos (tombara uma jarra ao narrar o seu caso passional) não podia ter praticado um crime que não deixou rasto.

c) Bernard também não: a ponta do charuto, fora trincada, e o capitalista havia 4 dias que extraíra os dentes incisivos. Ilibado.

Logo, foi Flamínio. Como?... O «Mefistófoles» ao zangar-se com Bernard e, dois dias após, com o banqueiro, quis, de um tiro, matar dois coelhos. De índole cruel, inteligente e terrivelmente plácido, recorrendo às suas habilidades de faquir, fácil lhe foi furtar um dos famosos charutos do capitalista; depois mercê dum plano lucidamente elaborado, assassinou rancorosamente o banqueiro, não deixando o mínimo vestígio – a não ser o “Donnia”, que, mais tarde ou mais cedo, após laboriosas pesquisas, havia de meter o Bernard numa prisão. Tudo parecia infalível.

Desgraçadamente, o «italiano» ignorava – a sua inteligência não podia adverti-lo disso… – o percalço dentário que 4 dias antes sucedera ao capitalista.

Lúcifer interviera na história…

Estas são as provas essenciais. Mas há pormenores secundários facilmente perceptíveis. Por exemplo Lerroux havia 2 anos que não entrava em casa de Bernard; Flamínio apenas 8 dias – por conseguinte, só este tinha possibilidade de furtar o famoso «Donnia». Lerroux era o que mais odiava o banqueiro e perdia a serenidade ao vê-lo; e o seu rancor a Bernard, datando de 2 anos, era labareda infernal!

Ora, um homem assim violento, que em tão longo espaço de tempo não buscou oportunidade para revindicta – é porque não tem feitio para assassino…




 

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