SETE
DE ESPADAS
(1921
– 2008)
“José Manuel da Piedade
Lattas, natural da Chamusca (Ribatejo), adepto desde a primeira hora da
problemística policiária. Bom produtor, decifrador, notabilizou-se
essencialmente como seccionista a quem o policiário muito deve. Editor sem
sorte.”.
Assim foi apresentado o
Sete de Espadas, em traços muito gerais, pelo “mestre” M. Constantino, produtor
e ensaísta, na sua obra de maior folego “O Grande Livro da Problemística
Policiária”, uma edição da Associação Policiária Portuguesa.
Esta definição, no
entanto, não revela a verdadeira dimensão do Sete de Espadas, como principal
divulgador da prática policiária.
Durante todo este ano de
2021, comemorando o primeiro centenário do seu nascimento, iremos prestando
preito a este enorme vulto que marcou várias gerações de amantes do policial,
nas suas diversas dimensões.
Vamos dar, novamente, a
palavra ao “mestre” Constantino, que escreveu, pouco antes do seu próprio
falecimento, no seu blogue “Policiário de Bolso”:
SETE
DE ESPADAS (1921-2008)
1 de Fevereiro de 1921, data de nascimento de Sete de
Espadas ou Tharuga, pseudónimos usados respectivamente para o policiário e para
o charadismo de Manuel José Lattas, natural da Chamusca, Ribatejo.
Iniciou-se no policiário no princípio da década de 40,
na secção dirigida por Repórter Mistério (Gentil Marques). Foi amor à primeira
vista, amor para ficar e se desenvolver. Não só abraçou a modalidade de
solucionista como a de Produção. Nesta última modalidade é de relevar, a par de
outros, o título de Campeão Nacional, no II Torneio Nacional de
Problemística Policiaria, disputado em 1958, com Lúcifer Interveio na
História. Com vocação especial para o relacionamento com a juventude, vê,
com satisfação, os mais jovens de ontem tomarem-se os Homens de hoje! Pode
orgulhar-se de, até hoje, ser o homem que mais Secções
Policiárias dirigiu e mais convívios entre policiaristas organizou, desde
as Tertúlias dos cafés às visitas a vários locais do país, em plena e
franca confraternização.
Dirigiu a primeira Secção no Jornal de Sintra (1947), com o
título, predilecto, de Mistério e Aventura; em 1948, aparece no Camarada,
com nova Secção; em 1953, são as Secções do Guião, Em fim de Livro...
na Colecção Xis, a da Lente (propósito editorial próprio!); em
1954, no Cavaleiro Andante, com a Página Dezassete e o
pseudónimo de Misterioso C. A.; em 1956, no Jornal do
Sporting. Uma pausa para ganhar fôlego, surgindo, em 1975, na revista
Crime (editada pelo Inspector Varatojo), no Mundo de Aventuras
Especial, na Secção Mistério Policiário do Mundo de
Aventuras (de 1975 a 1986), no Jornal O Crime (1989 a
1994) — e no mesmo com a Secção Édipo e a Esfinge, de 1995 até ao
falecimento em 9 de Dezembro de 2008. Dias antes, já muito doente, ainda
prometia um torneio policial para aquela secção a iniciar em 2009.
Lutador incansável, não esquecemos que criou e manteve com muita dedicação,
durante 32 números, debaixo de canseiras e dificuldades monetárias que se
adivinhavam, uma revista própria — o seu maior sonho — a XYZ.
O Sete de Espadas está referenciado como um dos três grandes do policiário
português: Repórter Mistério, o introdutor do enigma em Portugal; Artur
Varatojo, o divulgador nos jornais, rádio e televisão; e Sete de Espadas que
expandiu o policiário português e lhe deu expressão, o homem que mais adeptos
conseguiu captar — iniciou, manteve e reconduziu muitos dos afastados para a
modalidade.
O SETE marca três gerações de aplicação do poder do
raciocínio e profunda amizade.
M. Constantino
Autor: Sete de Espadas
(Problema com que ganhou o título
de Campeão Nacional em 1958)
O cadáver do banqueiro, crivado de golpes, estava deitado na alcatifa, como
que em posição de sentido. Aos pés, em face deles, uma poltrona, e, ao lado
direito, uma mesinha. Sobre ela um montículo de cinza de tabaco, um magnífico
charuto meio consumido, e a respectiva ponta. No chão, a cinta do charuto onde
se lia a marca «DONNIA». Nem um mínimo rasto por onde inferir-se a identidade
do criminoso.
Conclusão: – Um crime perfeito!
Móbil: – Vingança! Actuação de um sádico.
O assassino, após o crime, e saciada a vingança que inúmeras feridas
testemunhavam, instalara-se ante o cadáver sangrento, trincara a ponta dum
charuto e fumara-o com volúpia que a contemplação da vítima mais avivava.
(O facto de não existir cinzeiro explica-se pela interdição médica que
impedia o banqueiro de fumar).
Os três suspeitos estavam na minha frente: – Bernard, Flamínio e Lerroux.
Todos odiavam o banqueiro. Todos se odiavam entre si. Todos fumavam charuto.
– Ouça, Flamínio – comecei, seguindo um raciocínio súbito e, aparentemente,
inoportuno. – Você que era amigo de Bernard, porque se zangou com ele?
Flamínio sorriu: – Já lá vão 8 dias e como sabe sou um desmemoriado.
– Essa tem graça! – Exclamei. – Ó Bernard, então você não se ri?...
– Desculpe – respondeu com dicção difícil. – Ando há quatro dias em
tratamento no Dr. Lacroix que me extraiu os incisivos. Enquanto não colocar a
nova dentadura mal posso falar e muito menos rir-me…
Olhei então para Lerroux que, sempre nervoso, esbugalhava para mim os seus
olhos pardos. Era o que mais rancor votava ao banqueiro. Perdia a serenidade ao
vê-lo e afirmava que o havia de matar…
… Mas seguindo o meu fio de raciocínio, voltei-me de novo para o Flamínio.
– Homem, você de há uns tempos para cá anda endiabrado. Há 8 dias
incompatibilizou-se com o Bernard; dois dias depois saía do gabinete do
banqueiro rugindo ameaças; e, ontem à noite agrediu à biqueirada o
guarda-nocturno da sua área…
Flamínio respondeu enfadado: – E daqui a pouco agrido-o a você!
Olhei-o com curiosidade: – distinto, feições finas e cruéis, merecia bem o
apodo de «Mefistófoles Italiano”… Tinha habilidades fantásticas de faquir… Ao
lado dele, Bernard, o capitalista excêntrico, aparentava calma no rosto amarelo
de intoxicado. Fumava como uma chaminé. Tinha mesmo encomendado, à melhor
fábrica da especialidade, uns excelentes charutos para seu uso exclusivo que
recatara até dos próprios amigos. Dizia-se que mandara gravar nas cintas o nome
duma grácil rapariga que Lerroux havia trazido da Livónia, e que o capitalista
tivera artes de seduzir com assíduas visitas ao casal. Com ela vivia há dois
anos – e o ódio de Lerroux ao capitalista Bernard era labareda
infernal…
Subitamente, proferi com voz enérgica: – Lerroux, esse amor insensato
perdeu-o!
Lerroux exclamou com paixão: – Minha adorável Donnia! – O seu corpo teve um
estremecimento e com uma grande cópia de gestos que fizeram derrubar uma jarra,
exteriorizava o seu ódio ao traiçoeiro Bernard, quando me ergui num repente: –
Você disse Donnia?...
– Sim – respondeu Lerroux. – Ela chamava-se Dounetcka, mas, na intimidade,
tratava-se por Donnia.
Tirei do bolso a cinta do charuto e mostrei-a a Bernard: – Então o que eu
supunha ser a marca deste “paivante” é o nome da sua beldade?...
– Crime e castigo! – Berrou Lerroux numa exaltação enorme.
Bernard, muito pálido, apenas pôde balbuciar: – Esta só pelo Diabo!...
– Tem razão – acrescentei. – Lúcifer interveio na história… E ainda bem,
porque me fez descobrir o assassino.
Pergunta-se:
Quem foi o assassino?
Apresente provas.
(solução na próxima semana)
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