quarta-feira, 10 de março de 2021

POLICIÁRIO DE 4 DE MARÇO

 


TORNEIO DO CENTENÁRIO DO SETE DE ESPADAS



PROVA N.º 2-A

UM CASO ANTIGO

Original de PEDRO MANUEL CALVETE

                                                                                  

            O inspector-chefe Hélder Macedo – Big Mac para os amigos da PJ – estacionou no vasto terreiro ao lado do espampanante Mercedes negro que já sabia pertencer à vítima e esperou que a nuvem de pó que o carro levantara se dissipasse antes de desligar o motor e sair do conforto do ar condicionado para o calor tórrido do Alentejo. Subiu os degraus de madeira pausadamente, recebeu a aprumada saudação militar do guarda da GNR que já o esperava no árido pátio fronteiro à entrada do celeiro e, percebendo a diferença de temperatura, logo se refugiou na sua relativa penumbra, enquanto o agente se aprestava a ir buscar a testemunha.

            O celeiro, transformado no átrio de entrada/museu de lavoura da quinta – que atraía com passeios de balão os ocasionais incautos citadinos dos alojamentos rurais das redondezas – devia ter uns 20 metros de comprimento, com duas largas portas de madeira em cada extremo, abertas por metade, sem janelas em qualquer das baixas paredes mas com as telhas à vista por cima dos intrincados travejamentos de madeira. O Sol que se escoava pelos intervalos criava colunas oblíquas de poeiras que pontilhavam de luz o chão de terra batida. No largo corredor central, a uns dois metros da porta, havia um largo oleado escuro. Não precisava de adivinhar o seu propósito: protegia o local onde a vítima se esvaíra em sangue. Desviou a atenção para o cenário: do seu lado esquerdo, até onde distinguia a extensão do edifício, eram exibidos os apetrechos pesados de lavoura: carros de bois, charruas, arados, cangas, celhas, taráras, grades de tornos,… Do seu lado direito, sucediam-se as pipas e as talhas de barro de dimensões desencontradas, mais afastadas umas das outras, a convidar a uma circulação perto da parede caiada de um branco novo onde, equilibradas em meros pregos de suporte, eram exibidas forquilhas de formatos sortidos, manguales pequenos e grandes, ancinhos de madeira e de madeira e metal, enxadas grossas e finas, gadanhas simples e complexas, foices dos mais diversos tamanhos e curvaturas, … Aproximou-se destas, as mais próximas, notando uma flutuação de cores na folha da do meio de um painel de nove, e não evitou um esgar de nojo quando percebeu que eram causados pelas varejeiras que se passeavam nela. Ao seu movimento de repulsa seguiu-se o zumbido das moscas a levantar vôo. Atravessou o edifício enquanto verificava a rede do telemóvel, foi espreitar da outra porta – que dava para um pátio calcetado com árvores frondosas nos seus quatro cantos. Avaliou a visão de ponta a ponta do celeiro e atravessou de novo toda a sua extensão, contando os passos até à porta por onde entrara.

Estava a pensar como seria andar num balão de ar quente com aquele calor quando, pela porta da extremidade oposta, regressou o guarda, acompanhado do zelador do sítio, um homem robusto e rústico que o examinou com curiosidade e que, após as saudações, lhe foi apresentado como “Manuel Vinagre, testemunha presencial”. 

O inspector Macedo tirou uma agenda e uma caneta do bolso, desculpou-se por pedir a repetição do relato, e anotou o que ouviu em cerrado sotaque alentejano:

Manuel Vinagre +/- 10h na loja, ouviu gritos / da entrada viu vulto correr porta oposta / só viu corpo perto golfar sangue pescoço / várias feridas / ouviu o som de uma moto a afastar-se / não foi ver p/telef. 112 / antes não viu/ouviu nada / ainda não tinha chegado +ninguém / nunca tinha visto a vítima” Sublinhou a última anotação.

Aproximou-se do oleado e levantou-lhe uma ponta. O corpo já tinha sido removido, mas descobriu por baixo uma mancha escura grande, como o centro de um malmequer, e um conjunto de “pétalas” da mesma cor, a emanar dele, algumas mais destacadas. Depois voltou a pousar o oleado e examinou cuidadosamente o chão do celeiro, do pátio e das escadas, descobrindo em todos eles vestígios de pequenas pingas da mesma cor escura, que foi fotografando com o telemóvel enquanto sacudia as moscas. Abominava moscas, mais ainda as que zumbiam.

O guarda e o zelador tinham-no seguido calados, mas quando, na base das escadas, deu por concluído o seguimento do rasto, o primeiro informou-o que a arma do crime – um instrumento perfurante, segundo a equipa forense que recolhera o corpo – não tinha sido encontrada e que não tinham protegido depois o acesso ao celeiro porque a equipa tinha fotografado tudo minuciosamente e recolhido amostras do rasto de sangue até ao terreiro. E mais acrescentou que, logo que tinham recebido a informação do crime, o oficial de dia tinha mandado colocar barreiras nas estradas para identificar todos os motociclistas que se afastassem de Vermelhença – mesmo que, adiantava ele, fosse impossível que tivessem ido a tempo. Depois do aparte, o inspector-chefe Macedo observou-o de soslaio. Não era comum encontrar agentes da GNR a partilhar com a PJ opiniões sobre as opções dos superiores hierárquicos, muito menos quando não eram abelhudos – e aquele ainda não tinha sido.     

Voltou ao celeiro, de novo seguido silenciosamente pelos dois homens. Dirigiu-se lentamente ao painel de foices, e tirou-lhe várias fotos com o telemóvel. Abriu-as uma a uma, certificando-se de que as varejeiras eram de novo visíveis na mesma foice central, e deu ordem de prisão ao Manuel Vinagre.

 

 

E pronto.

Aqui fica o primeiro desafio da prova n.º 2, em que o autor não pede, mas torna-se imperativo que haja um relatório sobre os factos e as deduções, para chegar à detenção do Manuel Vinagre.

Até ao dia 31 de Março, poderão responder para lumagopessoa@gmail.com, ou, em alternativa, enviar por via postal para Luís Pessoa, Estrada Militar, 23, 2125-109 MARINHAIS.

Boas deduções!                                                                                

 

GERAÇÃO “MUNDO DE AVENTURAS”

 

Um jovem da Figueira da Foz, que acompanhava a secção do Sete de Espadas no Mundo de Aventuras, em Março de 1976 lá estava, numa foto com alguns dos participantes no I Convívio em Coimbra, uma jornada inesquecível para o Policiário.

 


Quando em 1977 nos iniciámos como orientadores e coordenadores de uma secção policiária, na revista de passatempos “Cruzadex”, esse mesmo jovem imediatamente se distinguiu, pela qualidade e profundidade das soluções que apresentava! Identificava-se como MYCROFT HOLMES e cada relatório, muitas vezes com mais de 100 páginas, surpreendia pelos ângulos que escolhia para abordar os temas.

Em conversas com o Sete de Espadas, também ele se admirava com a maturidade revelada na escrita e nos convívios a que passou a comparecer, como é o caso desta segunda foto, obtida em Viseu.



Depois de muitos anos sem notícias, com as voltas e revoltas que a vida dá, um dia “reapareceu”, já eminente jurista e muita obra feita. Combinámos um almoço e aí mesmo decidimos fazer uma surpresa ao Sete de Espadas, já enfermo e confinado às imediações da sua casa, em A-dos-Cunhados.

Não fomos a tempo, o Sete faleceu, entretanto!

Mas o Mycroft Holmes passou a acompanhar o Policiário mais de perto, esteve no Convívio de Santarém que assinalou as mil secções do Policiário no jornal Público e onde prestámos uma sentida homenagem ao Sete, com a presença de um dos seus filhos e hoje, presenteia-nos com um problema de um caso muito mais antigo do que a antiguidade destas recordações…


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