TORNEIO DO CENTENÁRIO DO SETE DE
ESPADAS
PROVA N.º 2-A
UM CASO ANTIGO
Original de PEDRO MANUEL CALVETE
O inspector-chefe Hélder Macedo – Big Mac para os amigos da PJ – estacionou no vasto terreiro ao lado
do espampanante Mercedes negro que já sabia pertencer à vítima e esperou que a
nuvem de pó que o carro levantara se dissipasse antes de desligar o motor e
sair do conforto do ar condicionado para o calor tórrido do Alentejo. Subiu os
degraus de madeira pausadamente, recebeu a aprumada saudação militar do guarda
da GNR que já o esperava no árido pátio fronteiro à entrada do celeiro e,
percebendo a diferença de temperatura, logo se refugiou na sua relativa
penumbra, enquanto o agente se aprestava a ir buscar a testemunha.
O celeiro, transformado no átrio de entrada/museu de
lavoura da quinta – que atraía com passeios de balão os ocasionais incautos
citadinos dos alojamentos rurais das redondezas – devia ter uns 20 metros de
comprimento, com duas largas portas de madeira em cada extremo, abertas por
metade, sem janelas em qualquer das baixas paredes mas com as telhas à vista
por cima dos intrincados travejamentos de madeira. O Sol que se escoava pelos
intervalos criava colunas oblíquas de poeiras que pontilhavam de luz o chão de
terra batida. No largo corredor central, a uns dois metros da porta, havia um
largo oleado escuro. Não precisava de adivinhar o seu propósito: protegia o
local onde a vítima se esvaíra em sangue. Desviou a atenção para o cenário: do
seu lado esquerdo, até onde distinguia a extensão do edifício, eram exibidos os
apetrechos pesados de lavoura: carros de bois, charruas, arados, cangas,
celhas, taráras, grades de tornos,… Do seu lado direito, sucediam-se as pipas e
as talhas de barro de dimensões desencontradas, mais afastadas umas das outras,
a convidar a uma circulação perto da parede caiada de um branco novo onde,
equilibradas em meros pregos de suporte, eram exibidas forquilhas de formatos
sortidos, manguales pequenos e grandes, ancinhos de madeira e de madeira e
metal, enxadas grossas e finas, gadanhas simples e complexas, foices dos mais
diversos tamanhos e curvaturas, … Aproximou-se destas, as mais próximas,
notando uma flutuação de cores na folha da do meio de um painel de nove, e não
evitou um esgar de nojo quando percebeu que eram causados pelas varejeiras que
se passeavam nela. Ao seu movimento de repulsa seguiu-se o zumbido das moscas a
levantar vôo. Atravessou o edifício enquanto verificava a rede do telemóvel,
foi espreitar da outra porta – que dava para um pátio calcetado com árvores
frondosas nos seus quatro cantos. Avaliou a visão de ponta a ponta do celeiro e
atravessou de novo toda a sua extensão, contando os passos até à porta por onde
entrara.
Estava a pensar como
seria andar num balão de ar quente com aquele calor quando, pela porta da
extremidade oposta, regressou o guarda, acompanhado do zelador do sítio, um
homem robusto e rústico que o examinou com curiosidade e que, após as
saudações, lhe foi apresentado como “Manuel
Vinagre, testemunha presencial”.
O inspector Macedo tirou
uma agenda e uma caneta do bolso, desculpou-se por pedir a repetição do relato,
e anotou o que ouviu em cerrado sotaque alentejano:
“Manuel Vinagre +/- 10h na loja, ouviu gritos / da entrada viu
vulto correr porta oposta / só viu corpo perto golfar sangue pescoço / várias
feridas / ouviu o som de uma moto a afastar-se / não foi ver p/telef. 112 /
antes não viu/ouviu nada / ainda não
tinha chegado +ninguém / nunca tinha visto a vítima” Sublinhou a
última anotação.
Aproximou-se do oleado e
levantou-lhe uma ponta. O corpo já tinha sido removido, mas descobriu por baixo
uma mancha escura grande, como o centro de um malmequer, e um conjunto de
“pétalas” da mesma cor, a emanar dele, algumas mais destacadas. Depois voltou a
pousar o oleado e examinou cuidadosamente o chão do celeiro, do pátio e das
escadas, descobrindo em todos eles vestígios de pequenas pingas da mesma cor
escura, que foi fotografando com o telemóvel enquanto sacudia as moscas.
Abominava moscas, mais ainda as que zumbiam.
O guarda e o zelador
tinham-no seguido calados, mas quando, na base das escadas, deu por concluído o
seguimento do rasto, o primeiro informou-o que a arma do crime – um instrumento
perfurante, segundo a equipa forense que recolhera o corpo – não tinha sido
encontrada e que não tinham protegido depois o acesso ao celeiro porque a
equipa tinha fotografado tudo minuciosamente e recolhido amostras do rasto de
sangue até ao terreiro. E mais acrescentou que, logo que tinham recebido a
informação do crime, o oficial de dia tinha mandado colocar barreiras nas
estradas para identificar todos os motociclistas que se afastassem de Vermelhença
– mesmo que, adiantava ele, fosse impossível que tivessem ido a tempo. Depois
do aparte, o inspector-chefe Macedo observou-o de soslaio. Não era comum
encontrar agentes da GNR a partilhar com a PJ opiniões sobre as opções dos
superiores hierárquicos, muito menos quando não eram abelhudos – e aquele ainda
não tinha sido.
Voltou ao celeiro, de
novo seguido silenciosamente pelos dois homens. Dirigiu-se lentamente ao painel
de foices, e tirou-lhe várias fotos com o telemóvel. Abriu-as uma a uma, certificando-se
de que as varejeiras eram de novo visíveis na mesma foice central, e deu ordem
de prisão ao Manuel Vinagre.
E pronto.
Aqui fica o primeiro
desafio da prova n.º 2, em que o autor não pede, mas torna-se imperativo que
haja um relatório sobre os factos e as deduções, para chegar à detenção do
Manuel Vinagre.
Até ao dia 31 de Março,
poderão responder para lumagopessoa@gmail.com, ou, em alternativa, enviar por via
postal para Luís Pessoa, Estrada Militar, 23, 2125-109 MARINHAIS.
Boas deduções!
GERAÇÃO
“MUNDO DE AVENTURAS”
Um jovem da Figueira da
Foz, que acompanhava a secção do Sete de Espadas no Mundo de Aventuras, em
Março de 1976 lá estava, numa foto com alguns dos participantes no I Convívio
em Coimbra, uma jornada inesquecível para o Policiário.
Quando em 1977 nos
iniciámos como orientadores e coordenadores de uma secção policiária, na
revista de passatempos “Cruzadex”, esse mesmo jovem imediatamente se
distinguiu, pela qualidade e profundidade das soluções que apresentava!
Identificava-se como MYCROFT HOLMES e cada relatório, muitas vezes com mais de
100 páginas, surpreendia pelos ângulos que escolhia para abordar os temas.
Em conversas com o Sete
de Espadas, também ele se admirava com a maturidade revelada na escrita e nos
convívios a que passou a comparecer, como é o caso desta segunda foto, obtida
em Viseu.
Depois de muitos anos sem
notícias, com as voltas e revoltas que a vida dá, um dia “reapareceu”, já
eminente jurista e muita obra feita. Combinámos um almoço e aí mesmo decidimos
fazer uma surpresa ao Sete de Espadas, já enfermo e confinado às imediações da
sua casa, em A-dos-Cunhados.
Não fomos a tempo, o Sete
faleceu, entretanto!
Mas o Mycroft Holmes
passou a acompanhar o Policiário mais de perto, esteve no Convívio de Santarém
que assinalou as mil secções do Policiário no jornal Público e onde prestámos
uma sentida homenagem ao Sete, com a presença de um dos seus filhos e hoje,
presenteia-nos com um problema de um caso muito mais antigo do que a
antiguidade destas recordações…
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